Delfos, 510 a.C.
Durante o reinado de Tarquínio, o Soberbo, ocorreu no palácio real um prodígio que levaria a uma consulta ao famoso oráculo grego: uma cobra saiu de uma coluna de madeira no interior do palácio e deslizou entre os aposentos reais, causando pânico generalizado entre os habitantes. O fenômeno, aos olhos de Tarquínio, tratava-se de um presságio divino que afetava diretamente a casa real. Tarquínio, alarmado, decidiu consultar o oráculo de Delfos — autoridade suprema em matéria de augúrios no mundo mediterrâneo, superior mesmo aos adivinhos etruscos que normalmente consultava.
Foram enviados à Grécia dois dos filhos de Tarquínio, Tito e Arrunte, acompanhados de Lúcio Júnio Brutus, filho de Tarquínia, irmã do rei. Brutus ocupava posição peculiar na corte. Era homem de notável inteligência e astúcia que, percebendo claramente a natureza tirânica do tio e os perigos que esta representava para qualquer um que demonstrasse capacidade ou ambição, decidira fazer-se propositalmente de imbecil. Adotara o nome "Brutus" (que significa "estúpido" ou "obtuso") e comportava-se como tolo, permitindo que o rei dispusesse livremente de sua pessoa e bens. Sob esta máscara de estupidez, contudo, Brutus disfarçava grande coragem e verdadeiras intenções, aguardando pacientemente o momento propício para agir.
Os jovens viajaram até Delfos e transmitiram ao oráculo a pergunta oficial do rei sobre o significado da cobra. Após receberem a resposta às questões formais que motivaram a viagem, e sem qualquer autorização paterna para fazê-lo, os filhos de Tarquínio decidiram por conta própria formular uma segunda pergunta: qual deles herdaria o reino de Roma?
A resposta da Pítia foi enigmática, como era costume do oráculo: "Em Roma irá reinar o primeiro de vocês que der um beijo em sua mãe." Tito e Arrunte imediatamente começaram a discutir entre si qual dos dois chegaria primeiro a Roma para beijar a mãe. Concordaram em manter a profecia em completo segredo, de modo que o terceiro irmão — Sexto, que permanecera em Roma — não pudesse ter a mesma chance. Decidiram ainda sortear entre eles quem daria o primeiro beijo quando chegassem.
Brutus, contudo, compreendeu que o oráculo tinha um significado diverso. Fingindo tropeçar ao sair do templo, caiu deliberadamente de bruços e colocou os lábios na terra. Interpretava assim a palavra "mãe" de forma alegórica: considerava a terra a mãe comum de todos os mortais. O gesto passou despercebido aos filhos de Tarquínio, que atribuíram a queda à proverbial estupidez de Brutus.