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De Eneias a Rômulo

1200 - 753 a.C.

Quando Troia caiu sob as chamas aqueias, Eneias liderou um grupo de sobreviventes troianos por mares desconhecidos em busca de terras para refundar sua pátria. A frota finalmente chegou ao território de Laurentum, governado pelo rei Latino. Este, vendo no estrangeiro não um invasor, mas um hóspede honrado, estabeleceu com os troianos um pacto de amizade. Para selar a aliança, Latino ofereceu sua filha Lavínia em casamento a Eneias. Em seguida, Eneias fundou uma cidade chamada Lavinium, em homenagem à sua esposa. Dessa união nasceu Ascânio, assegurando a continuidade da linhagem troiana em solo itálico.

Turno, rei dos rutuli, a quem Lavínia havia sido prometida antes da chegada dos troianos, sentiu-se traído e tomado pela fúria. Declarou guerra contra latinos e troianos. No primeiro embate, os rutuli foram derrotados, mas a vitória custou aos aborígenes a vida do rei Latino, que morreu em combate. Temendo o crescimento do poder troiano na região, os etruscos aliaram-se aos rutuli para uma segunda investida.

Frente ao iminente confronto decisivo, Eneias unificou os dois povos sob um único comando e, em homenagem ao líder caído, nomeou-os todos de Latinos. A batalha foi intensa, com os Latinos saindo vitoriosos, mas o triunfo custou a vida de Eneias, que pereceu no campo de batalha.

Ascânio era jovem demais para assumir o reino de seu pai. Lavínia, então, exerceu a regência até que o filho atingisse a puberdade e pudesse governar por direito próprio. Com o tempo, a população de Lavinium cresceu tanto que se tornou necessário expandir. Em vez de simplesmente ampliar a cidade materna, Ascânio decidiu fundar uma colônia própria. Deixou Lavinium para sua mãe e construiu uma nova cidade ao pé do monte Albano, chamada Alba Longa. Entre a fundação de Lavinium e o estabelecimento desta nova sede do poder latino transcorreram cerca de trinta anos.

Após Ascânio, sua descendência reinou por gerações em Alba Longa, período em que muitas colônias surgiram nos arredores. A linhagem continuou até chegarmos aos irmãos Numitor e Amúlio. Numitor, o primogênito, governava uma dessas colônias quando foi deposto pelo irmão mais jovem. Amúlio, consumido pela inveja, não apenas usurpou o trono: assassinou todos os filhos homens de Numitor para eliminar futuras ameaças ao seu poder. Quanto à Réia Sílvia, filha de Numitor, ele a nomeou sacerdotisa do templo de Vesta, condenando-a a uma virgindade perpétua que impediria o nascimento de legítimos herdeiros ao trono albano.

Contudo, Sílvia, provavelmente vítima de estupro, deu à luz gêmeos. Furioso, Amúlio mandou prender a sobrinha e ordenou que os recém-nascidos fossem lançados ao Tibre. Os bebês, porém, sobreviveram: abandonados numa cesta às margens do rio, foram encontrados por Faustolo, pastor-chefe do rebanho real. Ele os criou como filhos, nomeando-os Rômulo e Remo. Os gêmeos cresceram entre os pastores, desenvolvendo força e astúcia ao enfrentarem os bandidos que assolavam as colinas.

Durante a celebração do Lupercal, bandidos enfurecidos por perderem saques recentes organizaram uma emboscada contra os irmãos. Rômulo conseguiu defender-se e escapar, mas Remo foi capturado e levado perante o rei Amúlio, acusado de roubo. Os bandidos alegaram que o jovem havia invadido as terras de Numitor para pilhá-las. Amúlio entregou Remo ao próprio Numitor para que aplicasse a punição devida.

Faustolo sempre suspeitara que os gêmeos que criara eram de sangue real. Sabia que recém-nascidos haviam sido abandonados por ordem do rei, e o momento em que encontrara os bebês coincidia exatamente com aquele episódio. Com a captura de Remo, não pôde mais guardar segredo. Revelou a verdade a Rômulo, que imediatamente reuniu pastores leais e organizou um ataque ao palácio real.

Enquanto isso, na casa de Numitor, o ancião interrogava Remo. À medida que as perguntas avançavam, detalhes reveladores emergiam: a idade do jovem, as circunstâncias de seu resgate junto ao Tibre, a marca de nascença que Numitor reconheceu. O avô finalmente compreendeu que diante dele estava um de seus netos, que julgara morto havia anos. Rapidamente, ambos planejaram um complô contra Amúlio. Enquanto Rômulo marchava com os pastores em direção ao palácio, Remo liderava outro grupo armado a partir da casa de Numitor, que já havia revelado ao povo os crimes cometidos pelo tirano. O ataque foi coordenado e decisivo: Amúlio caiu sob os golpes daqueles que por tantos anos oprimira.

Depois que os dois jovens, entrando com suas tropas no meio da assembleia, aclamaram o avô como rei, toda a multidão confirmou com um grito unânime o título legítimo e a autoridade do rei. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

Com o trono de Alba Longa devolvido a Numitori, Rômulo e Remo foram movidos pelo desejo de fundar sua própria cidade no local onde haviam sido criados, nas colinas que os viram crescer entre os pastores. Muitos de seus aliados de batalha juntaram-se a eles nessa empreitada. No entanto, os irmãos entraram em conflito sobre quem governaria a nova cidade. A disputa culminou na morte de Remo, deixando Rômulo como único líder. A cidade recém-fundada foi então batizada com o nome de seu fundador: Roma.

O Reinado de Rômulo

753 - 715 a.C.

Depois de organizar devidamente os ritos divinos, convocou para uma assembleia a multidão que nada, exceto o vínculo jurídico, poderia unir em uma única nação, e lhes deu um sistema de leis. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

A medida em que cidade crescia em fortificações e em população, chamou a atenção dos povos estrangeiros. Com isso, uma massa heterogênea e ávida por coisas novas vinda das populações vizinhas — sem distinção entre livres e escravos — se mudou para lá. Como o povo crescia, Rômulo elegeu cem senadores, que tomaram para si o título de “pais”, enquanto seus descendentes foram chamados de patrícios.

Assim, em pouco tempo, Roma já havia militarmente tão poderosa que podia competir com qualquer povo dos arredores. Contudo, como a maioria dos imigrantes fosse de homens, sofriam com a falta de mulheres e, com isso, se punha em risco o futuro daquela gente e a continuidade de Roma. Nesse ínterim, Rômulo mandou representantes para os povoados vizinhos a fim de negociar casamentos entre os povos.

Com medo de ficarem pequenos perto do rápido crescimento dos romanos, todos negaram a proposta. Assim, Rômulo arquitetou outro plano: organizou jogos solenes em homenagem a Netuno e convidou os muitos povos.

Depois de serem hospedados em casas, tendo visto a posição da cidade, as muralhas fortificadas e a grande quantidade de habitações, ficaram maravilhados com a rapidez com que Roma havia crescido. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

Quando chegou o momento do espetáculo e todos estavam concentrados, sincronizados sob um sinal preciso, os jovens romanos correram para raptar as meninas. A surpresa foi tamanha que os pais das jovens não tiveram como reagir a não ser fugir de corações partidos, deixando suas filhas aos romanos. As mulheres, no entanto, não foram consideradas escravas, mas legítimas esposas dos romanos: compartilhariam de seus bens, sua pátria e seus filhos. Assim, em algum tempo, a raiva das garotas raptadas havia se acalmado completamente, e já se acostumavam elas a viver entre os romanos como legítimas habitantes da cidade e esposas de seus maridos. O mesmo, porém, não sucedeu com seus pais, que pensavam dia após dia em sua vingar tal traição.

Os primeiros a atacar foram os caeninenses que, por excessiva animosidade, atacaram sozinhos, sem esperar os outros povos. Sua ira, não apoiada por foras adequadas, mostrou-se inútil: foram rapidamente derrotados pela armada de Rômulo. O rei, após duelar com o comandante inimigo, subiu com seus despojos ao Capitólio e depositou-os perto de um carvalho sagrado aos pastores, dizendo: “Eu, Rômulo, rei vitorioso, ofereço-te, Júpiter Feretri, estas armas de rei e consagro o templo dentro destes limites que acabei de traçar de acordo com a minha vontade, de modo que se torne um lugar dedicado aos ricos despojos que os que vierem depois de mim, seguindo meu exemplo, aqui trarão após arrancá-los de reis e comandantes inimigos mortos em batalha.” Esta é a origem do primeiro templo consagrado em Roma.

Depois disso, foram também atacados pelos antemnates e os crustumini. Mas, humilhando-os todos diante do seu poderio militar, desistiram de novos ataques e Rômulo, convencido pelas súplicas das filhas, admitiu na cidade os seus derrotados pais — assim vieram estes se estabelecer em Roma, crescendo ainda mais o número de seus habitantes.

Os últimos que ousaram atacar foram os sabinos, que decidiram adotar uma estratégia baseada na investida silenciosa. Conseguiram subornar uma jovem vestal encarregada de vigiar uma seção dos muros da cidade. Esta concordou em permitir a entrada dos guerreiros sabinos durante a escuridão da noite, de modo que puderam apossar de uma posição altamente estratégica para o iminente confronto.

Nesse confronto, os romanos sofriam grande derrota e pensavam já em recuar quando Rômulo, levantando os olhos ao Céu, dirigiu súplicas a Júpiter, prometendo construir em honra do deus um templo naquele mesmo local — se saíssem vencedores. Ao final da oração, como se tivesse a sensação de ter sido ouvido, disse: “Deus supremo Júpiter, ordena-vos, ó romanos, a pararem e a recomeçarem a lutar.” Voltaram então os romanos, com motivação redobrada, e depois disso passaram a ganhar vantagem no conflito, mas sem poucas baixas.

Naquele momento as mulheres sabinas, que assistiam ao confronto, lançaram-se sob a chuva de projéteis a fim de separar as facções, implorando a ambos os lados que não cometessem um crime horrendo manchando o sangue de um sogro ou genro e não deixassem a marca do parricídio nas criaturas que elas trariam ao mundo, filhos para uns e netos para outros.

Com isso, ambos os exércitos pararam, estupefatos, e sobre eles cai um súbito silêncio. Então os generais avançaram de ambos os lados para estabelecer um tradado não somente de paz, como de união dos dois povos. Os dois reinos associaram-se transferindo, porém, todo o poder de decisão a Roma, que assim viu sua população dobrada. Foi depois dessa união que Rômulo dividiu a população em trinta Cúrias. Roma gozou anos de paz e tranquilidade.

Fundação de Roma

753 a.C.

O Rapto das Sabinas

c. 750 a.C.

Guerra contra os Sabinos

c. 748 a.C.

Morte e Divinização de Rômulo

715 a.C.

Um dia, após uma grande tempestade, Rômulo desapareceu. A história que contaram alguns senadores é que viram-no ser levado para cima numa nuvem. Assim, após a sua morte, Rômulo foi louvado e considerado de natureza divina. Enquanto a cidade estava em luto pela perda do rei, um certo Proculus Júlio dirigiu-se a assembleia dizendo ter visto Rômulo numa visão. Este teria lhe pedido:

Vá e anuncie aos romanos que a vontade dos deuses celestiais é que minha Roma se torne a capital do mundo. Portanto, se preparem na arte militar e saibam e transmitam aos seus filhos que nenhuma força humana é capaz de resistir às armas romanas. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

Reinado de Numa Pompílio

715 - 673 a.C.

Como não houvesse figura de destaque particularmente proeminente para se tornar rei, por um período os cem senadores governaram coletivamente (como ocorreu entre dois reinados, esse período foi chamado de interregno).

Mas então a plebe começou a lamentar o agravamento de sua relação de subordinação, já que em vez de um mestre, agora eles tinham cem. […] Quando os senadores perceberam a situação, pensaram que seria bom oferecer voluntariamente aquilo o que estava destinado perderem. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

De fato, o senado decretou que o povo elegeria um rei, mas a nomeação só seria válida após sua ratificação. A proposta foi tão bem recebida pelo povo que, para não se deixarem vencer em generosidade, eles pediram que fosse o senado a determinar quem deveria reinar em Roma.

Naquela época, Numa Pompílio desfrutava de grande respeito por seu senso de justiça e religiosidade — um homem “espiritualmente inclinado à virtude por sua disposição natural”. Assim que ouviram o nome de Numa, os senadores decidiram unanimemente confiar o reino a ele.

Numa Pompílio, tornando-se rei da cidade, preparou-se para dotá-la de um sistema jurídico e de um código moral. Mas, percebendo que as pessoas que passam a vida entre um guerra e outra não conseguem adaptar-se facilmente a essas coisas (porque a atmosfera militar torna as pessoas selvagens), convinha suavizar a ferocidade do seu povo e levar um reinado mais pacífico do que aquele que o antecedera. Por isso, fez um templo em honra de Jano que elevou a símbolo da paz e da guerra: quando aberto significava que a cidade estava em estado de guerra, quando fechado indicava que a paz reinava. Numa o fechou depois de assegurar por alianças a boa disposição de todas as populações vizinhas.

Fazendo isso, no entanto, corria-se o risco de que a paz prolongado enfraquecesse o espírito guerreiro do povo. Para mantê-los vigilantes, Numa resolveu fortalecer a devoção religiosa e instilar neles um temor reverencial pelos deuses: nomeou sacerdotes, estabeleceu datas religiosas, instituiu festas e construiu templos.

A cidade era governada mais pelo respeito à solenidade da fé do que pelo medo suscitado pelas leis e punições. […] Começaram a nutrir por Roma uma veneração tão grande a ponto de considerar uma violação sacrílega atacar um centro urbano tão integralmente votado ao culto dos deuses. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

Numa morreu em paz após quarenta e três anos de reinado.

Reinado de Tullo Hostilium

673 - 641 a.C.

Após a morte de Numa, houve um interregno e o povo elegeu, com a ratificação do senado, Tullo Hostilium — neto de um homem que se destacou na batalha contra os sabinos — como rei. Este era não só muito diferente de seu antecessor, como mais belicoso que o próprio Rômulo: pensando que a inatividade prolongada iria enfraquecer Roma, ele procurava pretexto em toda parte para fazer guerra.

Por puro acaso, alguns camponeses romanos roubaram gado no território albano e os habitantes de Alba retribuíram realizando a mesma façanha. Tullo usou dessa intriga para desencadear a guerra, mandando emissários ao território albano para recuperar o saque e depois alegando que os seus oficiais foram “despedidos com desdém pelos albanos.”

Os albanos foram para o campo de batalha primeiro e invadiram o território romano, estabelecendo um acampamento a não mais de cinco milhas de Roma. Vendo que os romanos não tardaram a mobilizar suas tropas, Mezio Fufezio (ditador de Alba) envia um mensageiro para dizer a Tullo que antes do confronto ele considerava necessário um colóquio entre os dois comandantes-chefes. Assim, terminadas as manobras de posicionamento dos dois exércitos, os respectivos comandantes avançaram em direção ao centro do campo de batalha.

Mezio foi o primeiro a falar, lamentando que povos tão próximos e provenientes da mesma estirpe guerreassem por razões tão tolas. Além disso, chamou atenção para a ameaça etrusca: era certo que estariam observando os dois exércitos e, assim que estivessem exaustos, os etruscos aproveitariam para atacar vencedores e vencidos indistintamente. Por isso, seria mais conveniente achar uma solução sem grandes desastres ou derramamento de sangue.

Passa que em ambos os exércitos havia irmãos trigêmeos, de modo que ficou acertado que lutariam entre si apenas os seis homens (trigêmeos romanos contra trigêmeos albanos) e que o povo vencido se submeteria ao vencedor. Assim, romanos e albanos firmaram um tratado, marcado por juramento solene, em que punham nestes seus respectivos campeões o destino destino de seu povo.

O sinal é dado e os seis jovens, armados completamente, se lançam à batalha. Atrás deles, de ambos os lados, os soldados das duas nações assistiam à batalha e davam gritos de incentivo. Logo no início do combate dois dos romanos, atingidos mortalmente, caem um sobre o outro, deixando um único romano contra três albanos em campo. Este, por puro acaso, tinha ficado ileso, enquanto os albanos todos carregavam alguma ferida.

O romano, que se chamava Horácio, sabia que não poderia derrotar os três ao mesmo tempo, mas teria chances se batalhasse com um de cada vez. Assim, para separar o ataque, começou a correr pensando que cada um o perseguiria com a velocidade que as feridas permitiriam. De fato, atacaram-no de maneira desorganizada, de maneira que Horário pôde derrotar um após o outro. Quando o corpo do último albanos foi ao chão, o jovem Horácio foi ovacionado pela multidão do exército romano.

No entanto, a irmã de Horário estava prometida em casamento a um dos trigêmeos albanos e, quando reconheceu sobre os ombros do irmão o manto militar de seu noivo, ela caiu em lágrimas repetindo o nome do falecido. Seu choro, precisamente no momento de triunfo público pela vitória, irritou profundamente Horácio — ainda de sangue quente após a batalha e enlutado pela morte de seus irmãos. O jovem impetuoso então saca a espada e atravessa a garota dizendo:

Vá com sua infantil paixão, vá para seu noivo, você que consegue esquecer seus irmãos mortos e aquele vivo e até mesmo a pátria. Que toda romana que chorar pelo inimigo morra assim. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

O terrível crime pareceu horrível aos senadores e ao povo, mas isso foi contraposto à bravura de algumas horas antes de modo que, após prenderem Horácio, hesitavam em aplicar a lei e punir com a morte o homem que conquistara a supremacia romana sobre Alba. O debate ficou resolvido depois do testemunho do pai de Horário, que implorou ao povo para não ver-se separado de seu último filho — ele que até pouco tempo atrás via-se cercado por uma notável prole. Incapazes de resistir às lágrimas do pai e ao peso das proezas do filho, deram absolvição a Horácio (com a condição de que oferecesse sacrifícios expiatórios por seu crime).

Mas a paz com Alba durou pouco tempo. O povo ficara muito descontente ao saber que o destino da nação havia sido entregue a apenas três soldados Mezio, o chefe de Alba, arquitetou então um plano para livrar-se do domínio dos romanos: instigaria os povos vizinhos a declararem guerra oficialmente contra Roma e, então, mandaria suas tropas batalharem contra Roma, destruindo assim seus próprios dominadores. Informando assim os habitantes de Veios e de Fidene sobre seus planos, fê-los iniciarem guerra contra Roma com a promessa de poderem contar com o apoio de Alba durante o conflito.

Quando o confronto começou, Tullo convocou Mezio e as tropas de Alba para a luta: os romanos combateriam os Veios e os albanos, os Fidenati. O plano de Mezio, entretanto, era entrar no lado de quem estivesse vencendo. Assim, ordenou que suas tropas avançassem muito lentamente em direção à montanha e então se desdobrassem para ganhar um pouco de tempo.

Os romanos que estavam mais próximos, quando perceberam que estavam com os flancos desprotegidos devido à manobra dos aliados, correram avisar ao rei sobre a retirada albana de seu curso. Tullo, determinado a vencer, disse aos seus que não havia motivo para pânico, pois ele próprio havia ordenado às tropas de Alba a movimentação. Ele também ordenou que a cavalaria levantasse as lanças. Com esse movimento, conseguiu esconder a retirada das tropas albanas de parte da infantaria romana. Os romanos, confiantes, se lançavam com ainda mais fervor à batalha, confundindo o inimigo. Depois de ter derrotado todos os Veineses, avançaram contra os Fidenati, já desmoralizados pelo pânico.

Em nenhuma batalha anterior, os romanos derramaram tanto sangue. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

Foi só então que o exército albano, espectador do confronto, retornou à planície. Mezio parabeniza Tullo pela vitória sobre os inimigos e Tullo responde educadamente. Em seguida, ordena aos albanos que unam seu acampamento ao dos romanos e então prepara um sacrifício de purificação para o dia seguinte. Ao amanhecer, com tudo preparado, convoca os dois exércitos e diante deles proclama:

Ó romanos, vocês não lutaram apenas contra o inimigo, mas também tiveram que enfrentar a traição dissimulada dos aliados. Portanto, seja claro: não foi por minha ordem que os albanos se moveram em direção à montanha. O que vocês ouviram de mim foi uma simulação calculada: eu queria evitar que, percebendo que tinham sido abandonados, vocês se distraíssem da batalha e, ao mesmo tempo, queria causar pânico e confusão entre os inimigos, fazendo-os acreditar que haviam sido enganados. E nem todos os albanos são responsáveis pelo crime em questão: eles seguiram seu comandante, assim como vocês fariam se eu lhes ordenasse alguma manobra no campo. É Mezio quem liderou aquela retirada. O mesmo Mezio que planejou esta guerra, o mesmo Mezio que violou o tratado entre romanos e albanos…

Neste momento, os centuriões romanos cercam Mezio enquanto o rei, com o mesmo tom, continua:

É minha intenção transferir todo o povo de Alba para Roma, conceder cidadania às classes subalternas, eleger nobres para senadores e ter apenas uma cidade e uma só República. Como a civilização albana foi dividida em dois no passado, que hoje ela recupere sua unidade.

Mezio Fufezio, se você fosse capaz de aprender lealdade e respeito aos tratados, eu deixaria você viver e você poderia vir a mim para aprender. Mas como sua disposição é inalterável, com sua punição ensine a humanidade a manter os sagrados vínculos que você violou. Portanto, assim como sua mente estava dividida entre Fidene e Roma há pouco tempo, agora é hora de seu corpo ser dividido.

Ele amarra então Mezio no meio de duas carruagens e faz com que os cavalos andem em direções opostas: cada carruagem arrastou pedaços do corpo despedaçado. Esta foi a primeira e última vez que os romanos recorreram a um tipo de punição contrária a todas as leis humanas.

Enquanto isso, foram enviados a Alba alguns cavaleiros para transferir a população para Roma. Em seguida, as legiões seguiram para destruir a cidade.

Quando eles passaram pelas portas, não houve aquele terror que é típico das cidades conquistadas, quando o inimigo derruba as muralhas com ariete, assalta a cidadela e depois se espalha pelas ruas num estrondo de gritos e armas. Nada disso aconteceu: apenas um silêncio lúgubre e uma dor sem voz. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

Com a destruição de Alba, Roma se expande e sua população dobra. Não muito tempo depois, a cidade foi atingida por uma epidemia. A doença atingiu até mesmo o belicoso rei, que passou a se ocupar mais da esfera religiosa do que de qualquer outra coisa. Reza a lenda que Tullo, na tentativa de fazer um sacrifício a Júpiter Elicius, cometeu algum erro na preparação ou celebração do ritual que deve ter provocado a ira do deus. Isso pois o rei e seu palácio foram incinerados por um raio.

O reinado deste rei guerreiro durou trinta e dois anos.

Reinado de Ancus Marcius

641 - 616 a.C.

Após a morte de Tullo, o poder voltou aos senadores. Em conformidade com a regra estabelecida, o povo elegeu Ancus Marcius (neto por linha materna do rei Numa Pompílio) como rei.

Subindo ao trono e lembrando-se da glória do avô, estava convicto de que o reinado anterior, entre muitas coisas positivas, tivera uma fraqueza: os ritos religiosos haviam sido negligenciados ou mal praticados. Portanto, suas primeiras medidas foram de estabelecer prescrições rituais e cerimônias públicas.

Vendo que outro rei religioso subira ao trono, os antigos latinos tomaram coragem e fizeram incursões no território romano. O povo pensava que tal líder jamais daria início a uma guerra.

Mas o caráter de Ancus era perfeitamente equilibrado, um meio termo entre Numa e Rômulo. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

Depois de estabelecer rituais próprios para serem oferecidos aos deuses em tempos de guerra, Ancus marcha com um exército recém formado e faz guerra contra os latinos, que vence em poucas batalhas. No retorno a Roma, dispondo de um imenso saque, ele mandou construir a primeira ponte sobre o rio Tibre. Também fez outros numerosos incrementos urbanos e cresceu a cidade. Dentro de uma população tão numerosa, tornou-se difícil distinguir o bem do mal e, consequentemente, o crime proliferava nas sombras. Portanto, para desencorajar a crescente ilegalidade, uma prisão foi construída bem no centro, a poucos passos do fórum.

Durante o reinado de Ancus, Lucumone, um personagem empreendedor e economicamente sólido, veio morar em Roma com a esposa Tanaquil. Atraía-os sobretudo a ambição e a esperança de alcançar posições de relevância: entre pessoas novas, onde se tornava nobre baseado em méritos, haveria espaço para um homem corajoso e empreendedor. Em Roma, adotou o nome de Lucius Tarquinius Priscus. Aos olhos dos romanos, ele impressionava por sua origem e posição econômica. E graças aos seus modos afáveis conquistou boa fama rapidamente. Sua fama chegou aos ouvidos do rei, de modo que Tarquínio se tornou um de seus amigos mais íntimos, a ponto de ser consultado sobre questões públicas e privadas. Por fim, quando Ancus faleceu, nomeou-o tutor de seus filhos em testamento. O rei Ancus governou por vinte e quatro anos.

Reinado de Tarquínio Prisco

616 - 578 a.C.

Quando a assembleia popular para a eleição do rei foi convocada, Tarquínio mandou os rapazes para uma caçada. Diante da assembleia, pronunciou um discurso focado em conquistar o voto popular. Dizia não ser menos romano do que qualquer um deles, visto que a parte da vida que é dedicada ao cumprimento dos deveres de cidadão, ele havia escolhido passar em Roma e não em sua cidade natal. Elencava também os seus méritos civis, militares e religiosos, o seu máximo respeito e reverência pela pessoa do rei e suas qualidades de caráter.

O povo romano, sentindo que não mentia ao elencar esses aspectos, o nomeou rei por unanimidade. E ele, uma vez no trono, não traiu todos os bons princípios morais que havia publicizado quando se candidatou. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

Tarquínio nomeou novos senadores, construiu o Circus Maximus e estabeleceu ali jogos realizados a cada ano, que foram chamados Jogos Romanos ou Grandes Jogos. Ele estava preparando-se para dotar Roma de uma muralha de pedra, quando uma série de conflitos com os sabinos se sobrepôs aos seus planos. Após a conclusão da guerra com os sabinos, Tarquínio retorna a Roma em triunfo. Em seguida, ele lutou com os latinos antigos. Cercando cada cidade individualmente, ele subjugou todos os latinos. Foram conquistadas as cidades de Corniculo, Ficulea, Vecchia, Cameria, Crusumerium, Ameriola, Medullia e Nomentum. Depois disso, foi reiniciada a fortificação de pedra — abortada no início da guerra com os latinos — da parte de Roma que ainda não a tinha. Ele também fez a drenagem das partes baixas da cidade com um sistema de canais inclinados em direção ao Tibre.

Naquele tempo, o palácio real testemunhou um prodígio notável. Quando Corniculo caiu, a esposa de Tulli (máxima autoridade da cidade e morto durante o cerco) foi para Roma com outras prisioneiras, grávida. A rainha reconheceu os sinais inconfundíveis da nobreza e não apenas impediu que ela se tornasse escrava, como a acolheu no palácio real e permitiu que ali ela desse à luz seu filho, Servio Tullio. Durante uma noite, muitos viram a cabeça de Tullio envolta em chamas. A gritaria e desespero para apagar o fogo acordaram o palácio e chamaram a atenção da família real. A rainha Tanaquil, pensando ser o fogo um presságio dos deuses a respeito do menino, tomou o marido à parte, dizendo:

Veja este menino que estamos criando de forma tão humilde? Saiba que um dia ele será nossa luz nos momentos mais sombrios e o suporte do trono durante os tempos de crise. Então, vamos criar com cuidado aquele que será motivo de orgulho público e para nós mesmos. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

A partir daquele momento, eles o trataram como um filho e o educaram nobremente. Quando Tarquínio teve que escolher um genro, o rei deu-lhe a filha em casamento. Depois de quase trinta a oito anos desde o início do reinado de Tarquínio, Servio Tullio tinha conquistado a total estima do rei, dos senadores e do povo.

Os dois filhos de Ancus sempre consideraram o cúmulo da infâmia o engano com o qual seu tutor os privou do reino paterno e o fato de um Roma reinar um estrangeiro cujas origens não eram nem mesmo itálicas. O ressentimento e a ânsia de subir ao trono os levou a um complô contra o rei. Escolheram como executores dois pastores que, armados com suas ferramentas de trabalho, organizaram uma falsa briga no vestíbulo do palácio e, fazendo o maior barulho possível, tentaram chamar a atenção dos servos do rei. Então, como ambos queriam apelar ao soberano e o barulho de sua briga chegara até dentro do palácio, Tarquínio os fez convocar. Diante do rei, enquanto um começa a contar o que foi previamente combinado, o outro levanta o machado e o atinge na cabeça. Em seguida, deixando a arma na ferida, os dois correm rapidamente para fora das portas — mais tarde, foram capturados pelos lictores.

Enquanto os servos de Tarquínio os seguravam à beira da morte, iniciava-se um grande tumulto de pessoas que corriam para ver o que havia acontecido. Tanaquil ordena que o palácio seja fechado e chama Servio a sós: mostra-lhe o corpo quase sem vida do marido e implora que não deixe impune a morte do sogro. Então, se assomando de uma janela do palácio, ela tranquilizou o povo dizendo que o rei já tinha voltado a si e que, em breve, eles poderiam vê-lo novamente. Enquanto isso, suas disposições eram que obedecessem a Servio Tullio, que administraria a justiça e cumpriria todas as funções do rei. Dessa forma, por alguns dias, embora Tarquínio já tivesse morrido, ele escondeu sua morte, passando-se por um mero substituto, enquanto consolidava seu poder. Somente depois de alguns dias é que as pessoas foram informadas do evento trágico. Servio, protegido por uma escolta robusta, foi o primeiro a reinar sem o consentimento popular, mas apenas com a autorização do Senado. Quando os filhos de Ancus souberam do resultado de suas ações, retiraram-se para um exílio voluntário em Suessa Prometia.

Reinado de Servio Tullio

578 - 534 a.C.

Servio, com o tempo e o uso, tornou-se incontestavelmente senhor do poder e, agindo com muita inteligência política, logo consolidou essa sua posição. Para evitar que o ódio nutrido pelos filhos de Ancus contra Tarquínio se tornasse o mesmo sentimento em relação aos filhos de Tarquínio, ele casou suas filhas com os dois jovens príncipes reais, Arrunti e Lúcio Tarquínio.

Sérvio passou para a posteridade por ter estabelecido em Toma o sistema de divisões de classes: ele estabeleceu o censo (o que era extremamente útil para um reinado destinado a enormes ampliações) e dividiu assim os encargos fiscais e as obrigações militares de acordo com a renda, e não mais per capita, como era no passado. Assim, a classe mais pobre da sociedade pagava proporcionalmente menos impostos, além de ficar dispensada das obrigações militares. Todos os encargos fiscais foram transferidos dos pobres para os ricos. No entanto, os ricos foram recompensados com um direito de voto maior, pois o sufrágio universal foi substituído por um voto proporcional à classe — embora esse sistema não privasse ninguém do direito de voto, concedia mais poder aos cidadãos mais abastados.

Realizado o primeiro censo, o número de cidadãos censitários fora de 80 mil (esse número equivale à quantidade de homens potencialmente mobilizáveis).

Com uma população assim, a expansão de Roma era inevitável. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

De fato, Sérvio expandiu o território e a população romana, não só pelo caminho das armas, mas também da diplomacia: falando diante dos nobres latinos, convenceu-os de construírem juntos um templo em honra de Diana em Roma, promovendo o compartilhamento de culto entre eles. A questão de se Roma era ou não a capital da região — um problema que tantas vezes havia sido discutido — teve então um consentimento tácito.

Ainda sentindo que o jovem Lúcio Tarquínio espalhava ressentimentos e rumores com relação à legitimidade de seu poder, Tullio distribuiu partes das terras tiradas dos inimigos a cada cidadão e depois convocou o povo para expressar um voto de confiança nele. Foi um grande sucesso: nenhum rei antes tinha sido eleito com tão grande unanimidade.

Passa que, no casamento entre os filhos de Tarquínio e as filhas de Tullio, os dois de temperamento violento não terminaram juntos. Assim a Túlia, filha mais ambiciosa de Tullio, não conseguia aceitar que o seu marido não tinha ambição nem iniciativa, e passou a admirar o marido de sua irmã, Lúcio Tarquínio. A afinidade mútua os aproximou, de modo que passaram a encontrar-se secretamente e, juntos, conspiraram para matar os próprios cônjuges, de modo que poderiam casar-se ambos. Foi a Túlia quem instilou no coração do jovem a audácia desse seu projeto:

O ponto em que ela mais insistia era este: seria melhor para ela estar sem marido e para o cunhado seria melhor estar solteiro do que estar com pessoas de nível inferior e ter que sofrer com sua inépcia. Se os deuses a tivessem feito casar com o homem que merecia, não demoraria muito para ver o poder real em sua casa, que agora via na casa de seu pai. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

As duas mortes consecutivas e o casamento de Túlia com Lúcio Tarquínio se deu rapidamente. Ela, depois do primeiro assassinato, mal podia esperar para cometer o segundo e sufocava o marido dia e note porque não queria que seus crimes anteriores resultassem em nada. Tarquínio, pressionado, procurou assim que casara angariar logo o apoio dos senadores para dar o golpe e tomar o poder.

Quando ele achou que era hora de agir, irrompeu no fórum escoltado por um grupo armado e assumiu o trono diante da Cúria. Mandou um arauto convocar todos os senadores para comparecer diante dele. Eles chegaram imediatamente: alguns já preparados para a situação, outros por medo das consequências negativas de faltarem esse compromisso.

Tarquínio, voltando-se para eles, lhes falou. Acusou Servio de ser um escravo filho de uma escrava, e que subiu ao trono sem respeitar a tradição — isto é, o interregno, o voto do povo e a ratificação dos senadores.

Em meio a estas acusações, Sérvio irrompeu na Cúria gritando: “Que tipo de história é essa, Tarquínio? Ter coragem, comigo vivo, de convocar os senadores e sentar no meu trono?” Ao que Tarquínio afirmou estar ocupando o trono de seu pai, e que era preferível estar com ele do que com um escravo. Então, favorecido pela idade e pelo maior vigor físico, Tarquínio agarrou Servio na altura da cintura e o lançou pelas escadas abaixo. Agora cheio de ferimentos, Tullio tentava arrastar-se de volta para o palácio, mas foi alcançado e assassinado pelos sicários de Tarquínio, que o estavam seguindo. Reza a lenda que Túlia, nesse momento, passava de carruagem pela estrada quando o cocheiro parou os cavalos com um golpe e indicou à patroa o cadáver de Tullio abandonado no chão. Ela, vendo-o, mandou passar com o carro por cima do corpo de seu próprio pai. Por isso essa rua guardou o nome de Via do Crime (Sceleratum Vicum).

Servio Tullio reinou por quarenta e quatro anos com retidão inigualável. Com ele se extinguia a figura do monarca justo e legítimo.

Tarquínio, o Soberbo

534 - 509 a.C.

A partir daí começou o reinado de Tarquínio, apelidado de O Soberbo. Com efeito, mal subira ao trono, Tarquínio negou a Servio o sepultamento, e fez eliminar os senadores mais importantes, suspeitos de o terem apoiado. Com medo de que sua indevida ascensão ao trono se tornasse motivo de ataques, ele cercou-se de guardas pessoais. Não podendo contar de forma alguma com o apoio dos cidadãos, era forçado a salvaguardar o seu poder com o terror.

Mandava para a prisão e para o exílio não apenas os criminosos, mas também os seus inimigos e todos aqueles que representavam alguma oportunidade de saque. Ademais, depois de ter diminuído o número dos senadores, estabeleceu que não se elegessem outros — e não consultava para nada o senado (rompendo com o costume até então obedecido), mas governava o Estado baseando-se apenas nos conselhos de familiares.

Para que o apoio estrangeiro lhe desse maior segurança em sua pátria, Tarquínio fez-se amigo dos latinos, estabelecendo relações de hospitalidade e casamentos. Um certo dia, quando Tarquínio já ostentava uma posição de influência entre a aristocracia latina, decidiu convocá-los a uma reunião, alegando que queria discutir alguns problemas de interesse comum. Todos compareceram no horário combinado, mas o próprio Tarquínio só dera as caras naquele dia pouco antes do pôr-do-sol. Durante o dia, um certo Turnus Erdonio, que estava entre os presentes, atacou diante de todos a fama de Tarquínio, dizendo que zombava ele do povo latino ao forçá-los vir de tão longe e depois faltar à reunião que ele próprio havia convocado.

Enquanto Turnus discorria dessa forma, Tarquínio chegou, escusando-se com a desculpa de que fora escolhido como árbitro de uma disputa entre pai e filho e que demorara por desejo de reconciliar os litigantes. Então, como o dia já se acabava, adiou a reunião para a manhã seguinte. mas Turnus, insatisfeito, replicou com agressividade, dizendo que nada era mais fácil do que resolver uma disputa entre pai e filho: ou o filho obedece o pai, ou pior para ele.

Com esse insulto, Turnus vira as costas e deixa a assembleia. Tarquínio, sofrendo a ofensa mais do que demonstrava, passou imediatamente a procurar meios de remover Turnus do caminho, de forma a inspirar nos latinos o mesmo terror com o qual ele havia oprimido seus súditos. Fez então o seguinte:

Ele conseguiu corromper um escravo de Turnus para introduzir secretamente uma grande quantidade de armas na casa do dono, durante aquela noite. Com tudo preparado, Tarquínio, pouco antes do amanhecer, convocou os líderes latinos em sua presença e, fingindo ter recebido algumas notícias alarmantes, disse que atraso do dia anterior havia sido providencial, pois soubera que Turnus queria eliminá-lo e aos líderes mais proeminentes do povo latino para se apoderar do poder absoluto — o que explicava também a agressividade de Turnus a respeito do atraso, que havia frustrado suas expectativas.

A história parecia plausível, mas carecia de evidências. Assim, foram até a casa de Turnus, acordaram-no e mantiveram-no sob vigilância. Quando, em seguida, começaram a vasculhar a casa, retiraram de todos os cantos espadas escondidas. Turnus foi acorrentado e, sem sequer poder defender sua causa, os próprios latinos fizeram-no afogar-se na nascente Ferrentina com uma grade coberta de pedras sobre a cabeça.

Em seguida, Tarquínio procurou reunir-se com todos os latinos, elogiando-os pela firmeza com que infligiram a Turnus a punição adequada. Afirmou então poder basear-se em um direito muito antigo para sustentar que todos os latinos, sendo originários de Alba, estavam sujeitos às cláusulas daquele tratado dos tempo de Tullo, pelo qual toda a nação albana e suas colônias haviam sido anexadas a Roma. Tarquínio queria convencê-los de que renovar aquele tratado traria grande vantagem a ambos, visto que os latinos participariam dos sucessos do povo romano. E, como os líderes latinos estavam do lado do rei — e logo antes Turnus havia demonstrado àquele povo o que poderia acontecer a quem se opusesse —, os latinos ficaram persuadidos e o tratado foi renovado.

Tarquínio foi um rei injusto com seus súditos, mas bastante bom como general quando se tratava de lutar. Na verdade, no campo militar, ele teria atingido o nível daqueles que o precederam no trono, se sua degeneração em todo o resto não tivesse obscurecido esse mérito também. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

Dentre as guerras que empreendeu, envolveu-se numa com a cidade vizinha de Gabi. Encontrando aí dificuldades em vencer, recorreu ao seguinte estratagema: Sexto, o mais jovem dos seus três filhos (instruído pelo pai), refugiou-se em Gabi, queixando-se do tratamento excessivamente cruel que o pai lhe dava. Contava que, depois dos súditos, havia começado a atormentar os filhos, de modo a não deixar qualquer herdeiro ao trono. Por isso, estava convencido de que em nenhum lugar estaria tão seguro como entre os inimigos de seu pai.

Os habitantes de Gabi o receberam de braços abertos, confiantes de que, com a sua ajuda, logo venceriam a guerra. Gradualmente, Sexto foi admitido às reuniões do governo, durante as quais falava de guerra como um grande especialista. Ele pessoalmente liderara algumas ações de guerrilha, ganhando a confiança da elite de Gabi a ponto de, no final, confiarem-lhe o comando geral das operações.

Quando percebeu que tinha poder suficiente, enviou a Roma um mensageiro seu para perguntar ao pai o que deveria fazer. Ao mensageiro, pela pouca confiança que inspirava, não foi confiada uma resposta verbal. Ao invés disso, o rei se dirigiu ao jardim do palácio e, em silêncio, caminhando de um lado para o outro, começou a decapitar as papoulas com uma varinha. Assim o mensageiro retornou, contando tudo a Sexto. Como ficou claro para ele o que o pai queria dizer com aquele gesto, eliminou os líderes da cidade, acusando-os diante do povo. Certos indivíduos, mais difíceis de serem acusados, foram assassinados em segredo. Outros foram exilados. As propriedades de todos foram confiscadas e distribuídas. As pessoas, preocupadas apenas com o interesse particular, perderam o sentido do desastre em que a cidade havia caído. Até que um dia, sem direção e sem recursos, Gabi se rendeu nas mãos do rei de Roma sem oferecer resistência.

Depois de tomar posse de Gabi, Tarquínio dedicou-se às obras públicas. Lembrando que seu pai, o primeiro Tarquínio, havia prometido construir um templo de Júpiter no monte Tarpeio, fez cumprir a promessa iniciando uma obra monumental. Durante as escavações das fundações do templo, foi descoberta a cabeça de um homem com traços faciais intactos. Segundo os adivinhos, o ocorrido era sinal de que aquele ponto se tornaria a cidadela do império e a capital do mundo (caput mundi).

Tempos depois, outro prodígio aconteceu em seu reinado: uma cobra saiu de uma coluna de madeira e causou pânico no palácio real. Nesse caso, como o fenômeno parecia afetar a sua casa, Tarquínio decidiu consultar o oráculo de Delfos, o mais famoso do mundo, a respeito disso. Enviou então para a Grécia (por terras e mares ainda desconhecidos) dois de seus filhos: Tito e Arrunte, acompanhados de Lúcio Júnio Brutus, filho de Tarquínia (irmã do rei).

Brutus era um homem astuto: percebendo que o tio controlava tiranicamente o reinado, decidiu renunciar a qualquer atitude ou sucesso econômico que pudesse despertar a inveja do rei. E fazendo-se propositalmente de imbecil, deixou que dispusesse livremente de sua pessoa e de seus bens, mas disfarçava ainda sua grande coragem e suas verdadeiras intenções.

Passa que, depois de chegarem a Delfos e cumprirem a missão dada pelo pai, os jovens foram tomados de pelo desejo de saber qual deles iria herdar o reino de Roma. Sobre isso, o oráculo respondeu: “Em Roma irá reinar o primeiro de vocês que der um beijo em sua mãe.” Os filhos de Tarquínio, de comum acordo, deixaram que o destino decidisse quem, uma vez em Roma, beijaria primeiro a mãe. Brutus, no entanto, fingindo tropeçar, caiu no chão e colocou os lábios na terra, considerando a terra mãe comum a todos os mortais. Então eles voltaram a Roma.

Em Roma, os exorbitantes gastos com o templo de Júpiter e outras construções urbanísticas forçavam o rei a fazer contínuas guerras para obter o saque necessário aos seus empreendimentos. Naquele momento, pelejavam contra Ardea. Enquanto a guerra se estendia, os filhos do rei, no acampamento das operações, passavam o tempo se divertindo com festas e bebidas. Um dia, quando estavam festejando na tenda de Sexto Tarquínio e estava também Colatino (líder de Collatia, que estava sujeita à autoridade romana), cada um começou a dizer maravilhas da sua esposa, e Colatino afirmou que era inútil falar, porque a sua Lucrécia era, sem dúvidas, superior a todas as outras. Não entrando em concordância, resolveram montar a cavalo e ir verificar pessoalmente o comportamento das esposas; pois, como disseram, a prova mais segura será o cada um veria com a chegada inesperada do marido. Todos montaram e partiram juntos. Em Roma, as noras do rei foram surpreendidas no meio de uma festa e em companhia de colegas; já em Collatia, todos contemplaram Lucrécia ocupando-se em silêncio com suas lãs. Assim, ela venceu a competição de esposas. Foi então que Sexto Tarquínio, provocado pela beleza e pela prova de castidade de Lucrécia, ficou tomado por uma insana obsessão de possuí-la a todo custo.

Algum tempo depois, portanto, Sexto foi a Collatia. Lá foi hospedado cordialmente pelos servos de Colatino. Após o jantar, quando todos na casa estavam dormindo, Sexto adentrou o quarto de Lucrécia, imobilizou-a com a mão em seu peito e disse: “Estou armado. Uma única palavra e você está morta!” Então começou a declarar o seu amor; mas vendo que Lucrécia era irredutível e não cederia nem diante da hipótese da morte, acrescentou a desonra à intimidação e disse que, uma vez morta, iria matar um servo e colocá-lo nu ao seu lado, de modo que se dissesse que ela foi morta na degradação mais baixa do adultério. Com essas ameaças, a luxúria de Tarquínio venceu a castidade de Lucrécia, que cedeu, e foi por ele violada na calada da noite. Satisfeito, Sexto partiu.

Lucrécia, arrasada, enviou um mensageiro ao pai em Roma e outro ao marido em Ardea, convocando-os à sua presença o mais depressa possível. Chegou até ela uma comitiva que trazia seu pai, Lucrécio, com um acompanhante seu, bem como Colatino acompanhado de Lúcio Brutus. Uma vez reunidos, Lucrécia começou a chorar, relevando-lhes tudo o que havia sucedido. E disse ela:

Apenas meu corpo foi violado, mas meu coração é puro e provarei isto com a minha morte. Mas jurem-me que o adultério não ficará impune: foi Sexto Tarquínio que, armado e com força, abusou de mim. Se vocês são verdadeiros homens, façam com que esse acontecimento não seja fatal apenas para mim, mas também para ele. (TITO LÍVIO, AB URBE CONDICTA)

Isto todos juraram. Mas tentaram ainda consolá-la, dizendo que a culpa recai apenas sobre o autor daquela ação e não sobre ela, que foi vítima; pois não é o corpo que peca, mas a mente e, portanto, se falta a intenção, não se pode falar em culpa. Mesmo diante disso, Lucrécia permanecia perturbada e, agarrando a faca que mantinha escondida sob o vestido, ela a cravou em seu coração, não sem antes dizer: “que daqui para a frente, após o exemplo de Lucrécia, nenhuma mulher viva em desonra!”. Com isso, caiu morta no chão entre os gritos do marido e do pai. Enquanto os outros estavam em desespero, Brutus retirou a faca da ferida e bradou:

Sobre este sangue, que era tão puro antes de um príncipe o contaminar, eu juro e chamo vocês como testemunhas, ó deuses, que daqui para frente perseguirei Lúcio Tarquínio, o Soberbo, sua malvada esposa e toda a sua família com ferro e fogo por todos os meios possíveis, e não permitirei que nem eles nem nenhum outro reine mais em Roma.

Então passou a faca para os demais, que juraram como lhes fora ordenado e, incitados por Brutus contra o poder real, não hesitaram em seguí-lo como seu líder.

Então eles levaram o corpo de Lucrécia e o colocaram no meio do fórum de Collatia, onde a multidão se aglomerou e ouviu a história de Brutus — que os exortava a pegar em armas contra aqueles tiranos. Os jovens se ofereceram voluntariamente e partiram para Roma, sob o comando de Brutus. Uma vez lá, se dirigiram ao fórum, onde a turba, curiosa, de todas as partes da cidade os seguia. Então, diante de todos, Brutus discursou, narrando o episódio e também lembrando a todos da arrogância tirânica do rei e do estado miserável da plebe, obrigada a numerosos trabalhos e escavações nas obras públicas. Depois de, por fim, mencionar o fim indigno de Servio Tullio e o episódio horrível da filha que pisava o cadáver do pai com uma carruagem, invocou os deuses vingadores dos crimes contra os pais, inflamou o povo e arrastou a derrubar a autoridade do rei e a exilar Lúcio Tarquínio com sua família. Depois de equipar os jovens romanos voluntários com armas, deixou o comando de Roma com Lucrécio e partiu para Ardea para levantar também o exército lá acampado contra o rei. Durante esse tumulto, Túlia fugiu do palácio e, por onde passava, as pessoas a inundavam com maldições.

A notícia desses eventos chegou ao acampamento em Ardea antes da chegada de Brutus, ao que o rei de lá partiu imediatamente para Roma. Brutus, informado de que o rei estava se aproximando, para evitar que se encontrassem no caminho, fez uma manobra de distração. Embora por caminhos diferentes, Brutus e Tarquínio chegaram quase ao mesmo tempo em Ardea e Roma. As portas do palácio foram fechadas na cara de Tarquínio e a notícia do exílio lhe foi comunicada. Brutus, por outro lado, foi recebido com entusiasmo pelos homens no acampamento, que então expulsaram os filhos de rei. Dois deles seguiram o pai no exílio em Caere, na terra etrusca. Sexto Tarquínio partiu para Gabi, como se fosse um de seus domínios, mas lá foi assassinado em vingança dos massacres e saques do passado.

Lúcio Tarquínio Soberbo reinou por vinte e cinco anos. O regime monárquico em Roma, desde a fundação até a queda do Soberbo, durou duzentos e quarenta e quatro anos. Posteriormente, a assembleia das centúrias elegeu dois cônsules: Brutus e Colatino.