c. 646 a.C. – 578 a.C.
Lúcio Tarquínio Prisco nasceu por volta de 646 a.C. na cidade etrusca de Tarquínia, filho de Demarato, um comerciante coríntio exilado que se estabelecera na Etrúria. Originalmente chamado Lucumone, cresceu numa família próspera que combinava riqueza comercial com conhecimento das sofisticadas técnicas etruscas de engenharia e administração urbana. Casou-se com Tanaquil, mulher de extraordinária inteligência e ambição política, que reconheceu nele potencial para alcançar grandeza além das limitações que sua origem estrangeira impunha na sociedade etrusca.
A decisão de emigrar para Roma resultou de uma combinação de ambição pessoal com cálculo político astuto. Na chegada de Lucomone durante o reinado de Ancus Marcius, o emigrante adotou o nome romano de Lúcio Tarquínio Prisco e começou sistematicamente a construir sua reputação na sociedade romana. Diferentemente das outras cidades do Lácio, Roma, ainda em seus anos iniciais, demonstrava abertura extraordinária para aceitar estrangeiros talentosos, oferecendo oportunidades de ascensão social impossíveis em outras sociedades mais fechadas. Tarquínio aproveitou esta característica romana com maestria, usando sua riqueza para financiar obras públicas e sua experiência administrativa para se tornar conselheiro de confiança do rei.
Quando Ancus morreu, em 616 a.C., nomeou Tarquínio tutor de seus filhos. Quando se aproximavam os dias da eleição, Tarquínio mandou os rapazes para uma espécie de retiro e se apresentou diante dos votantes com um convincente discurso, evocando seus feitos e a boa fama que conquistara em Roma nos últimos anos. Foi eleito. A eleição de Tarquínio Prisco em 616 a.C. marcou um precedente histórico: ele se tornou o primeiro rei romano de origem não latina.
Seu reinado caracterizou-se por transformações urbanas monumentais que alteraram permanentemente o caráter de Roma. A construção do Circus Maximus representou sua primeira e mais espetacular realização: criou um espaço de entretenimento capaz de acomodar dezenas de milhares de espectadores, estabelecendo um precedente de magnanimidade régia que conectava o governante diretamente com o povo através do lazer público. Esta obra demonstrava compreensão sofisticada de como o poder político pode ser consolidado através do fornecimento de diversões populares, antecipando estratégias que caracterizariam toda a história romana posterior.
Iniciou também inovações em infraestrutura urbana como a construção da Cloaca Maxima, o sistema de drenagem que permitiria o desenvolvimento do vale entre as colinas romanas, transformando áreas pantanosas em espaços urbanos utilizáveis. Drenou e pavimentou o Fórum Romano, criando o centro cívico que se tornaria o coração político e comercial da cidade.
Tarquínio também promoveu guerras e expansão territorial, conduziu campanhas vitoriosas contra sabinos e latinos, expandindo significativamente o território romano e consolidando a hegemonia de Roma sobre o Lácio central. Aumentou o número de senadores de trezentos para aproximadamente seiscentos, incorporando famílias de origem estrangeira e criando precedentes para a mobilidade social baseada no mérito e na riqueza em vez da linhagem ancestral exclusivamente. Introduziu os lictores como guarda-costas régios, estabelecendo o cerimonial que simbolizaria a autoridade romana por séculos.
Durante a expansão territorial, a cidade de Cornículo foi conquistada. Um certo Tulli, autoridade máxima da cidade, foi morto durante o cerco e sua esposa, Ocrísia, que estava grávida, foi levada para Roma como cativa. A rainha Tanaquil reconheceu na prisioneira sinais inconfundíveis de nobreza e, ao invés de permitir que se tornasse escrava comum, acolheu-a no próprio palácio real, onde ela deu à luz um menino chamado Sérvio Túlio.
Uma noite, muitos viram a cabeça da criança envolta em chamas enquanto dormia. A gritaria e o desespero para apagar o fogo despertaram todo o palácio e chamaram a atenção da família real. Tanaquil, contudo, interpretou o fenômeno como presságio divino: tomou o marido à parte e disse que aquele menino deveria estar destinado a grandes feitos — conseguiu convencer Tarquínio de criá-lo como um filho, dando-lhe uma educação digna da nobreza. Quando Tarquínio teve que escolher um genro, deu ao jovem uma de suas filhas em casamento. Após quase trinta e oito anos de reinado, Sérvio havia conquistado a total estima do rei, dos senadores e do povo.
Os dois filhos de Ancus, entretanto, consideravam o cúmulo da infâmia o engano com que seu tutor os privara do reino paterno, especialmente por ser um estrangeiro cujas origens não eram nem mesmo itálicas, mas etruscas. Por isso, conspiraram para assassiná-lo: escolheram como executores dois pastores que, armados com ferramentas de trabalho, organizaram uma falsa briga no vestíbulo do palácio, fazendo barulho para chamar atenção. Quando Tarquínio os convocou para resolver a disputa, golpearam-no com um machado na cabeça.
Tanaquil demonstrou extraordinária presença de espírito. Ordenou que o palácio fosse fechado e, assomando-se de uma janela, tranquilizou o povo dizendo que o rei havia sobrevivido ao ataque e que, enquanto se recuperava, Sérvio governaria como substituto. Durante os dias seguintes, manteve a farsa enquanto Sérvio consolidava seu poder. Somente depois de alguns dias é que o povo foi informado da morte do rei. Com essa manobra política extraordinária, os planos de Tanaquil e Tarquínio para a sucessão se concretizaram: Sérvio Túlio foi o primeiro a reinar sem o consentimento popular inicial, apoiando-se apenas na autorização do Senado. Com o tempo e uso inteligente do poder, tornou-se incontestavelmente senhor da situação.