c. 540 a.C. – 509 a.C.
Lucrécia nasceu por volta de 540 a.C. em Collatia, uma próspera cidade latina situada estrategicamente entre Roma e as montanhas sabinas. Filha de uma família aristocrática local, cresceu numa sociedade que valorizava profundamente virtudes tradicionais como pudor, fidelidade matrimonial e devoção familiar. Sua educação seguiu padrões típicos da elite romana da época: domínio das artes domésticas, conhecimento das tradições religiosas e formação moral que enfatizava honra pessoal como bem supremo. Casou-se com Lúcio Tarquínio Colatino, parente distante da família real mas governo local de Collatia, numa união que representava tanto aliança política entre famílias aristocráticas quanto genuína afeição pessoal.
Sua reputação como matrona exemplar estabeleceu-se através de conduta irrepreensível que contrastava dramaticamente com os excessos e frivolidades que caracterizavam muitas mulheres da aristocracia romana da época. Durante as ausências militares frequentes de Colatino, Lucrécia administrava eficientemente tanto os assuntos domésticos quanto responsabilidades sociais que sua posição exigia, ganhando respeito unânime na comunidade local. Sua beleza física era amplamente reconhecida, mas subordinada sempre às qualidades morais que a distinguiam: castidade inquebrantável e piedade religiosa genuína.
A tragédia que devastaria sua vida começou em 509 a.C., quando uma aposta casual entre oficiais militares sobre quais possuíam as esposas mais virtuosas levou a uma visita surpresa às suas residências. Enquanto as noras do rei foram encontradas em festividades frívolas, Lucrécia estava em casa tecendo com suas servas — imagem perfeita da matrona dedicada aos deveres domésticos mesmo durante a ausência do marido. Esta demonstração pública de virtude impressionou profundamente Sexto Tarquínio, filho do rei, que desenvolveu obsessão destrutiva pela mulher que representava tudo o que faltava à decadente família real.
Dias depois, Sexto retornou a Collatia sozinho, abusando da hospitalidade que sua posição real garantia para obter acesso à residência de Colatino. Durante a noite, invadiu os aposentos de Lucrécia armado com uma espada, ameaçando matá-la caso resistisse às suas investidas sexuais. Quando ela se recusou mesmo sob ameaça de morte, Sexto empregou chantagem mais cruel: ameaçou matá-la junto com um escravo, arranjando a cena para sugerir adultério, destruindo assim sua reputação post mortem. Face a esta alternativa, Lucrécia cedeu e foi violada.
A manhã seguinte revelou a profundidade de seu tormento moral. Lucrécia enviou mensagens urgentes convocando seu pai Spurius Lucretius e seu marido Colatino, pedindo que viessem imediatamente acompanhados por amigos de confiança, pois algo terrível havia ocorrido. Quando chegaram — acompanhados por Lúcio Júnio Brutus — encontraram-na destruída pelo peso da desonra que sofrera, mas determinada a agir de forma que preservasse tanto sua própria honra quanto alertasse Roma sobre os perigos da tirania real.
Perante pai, marido e testemunhas, descreveu detalhadamente o ataque de Sexto Tarquínio, identificando claramente o agressor e as circunstâncias que tornaram sua resistência impossível. Concluiu declarando que, embora absolveriam sua consciência das acusações de adultério, ela não poderia continuar vivendo com corpo que havia sido profanado. Assim, retirou uma adaga escondida em suas vestes e cravou-a no próprio coração. Diante de tal cena, Brutus retirou a adaga ensanguentada do corpo de Lucrécia e jurou pelos deuses que expulsaria da cidade Tarquínio, o Soberbo, e toda sua família. O corpo de Lucrécia foi levado ao fórum de Collatia e depois ao fórum romano, onde sua exibição pública inflamou indignação popular que tornou inevitável a expulsão dos Tarquínios.