Roma, 578 a.C.
Os dois filhos de Ancus Marcius jamais aceitaram o que consideravam a suprema infâmia: o engano pelo qual seu tutor, Tarquínio Prisco, homem de origem etrusca, cujas raízes não eram nem mesmo itálicas, os privara do reino paterno através de manobra política quando eram ainda jovens. O ressentimento fermentara durante quase quarenta anos, enquanto observavam o estrangeiro governar Roma e consolidar seu poder.
Quando perceberam que Servio Tullio — filho de uma prisioneira de guerra — estava sendo preparado para suceder Tarquínio, a ânsia dos filhos de Ancus de recuperar o que julgavam seu por direito tornou-se insuportável. Arquitetaram um complô contra o rei.
Escolheram como executores dois pastores rudes, homens acostumados à violência. Armados com suas ferramentas de trabalho, organizaram falsa briga no vestíbulo do palácio, fazendo o maior barulho possível para chamar a atenção dos servos reais. Como ambos clamavam apelar ao soberano para resolver a disputa, e o tumulto chegara até dentro do palácio, Tarquínio mandou convocá-los à sua presença.
Diante do rei, enquanto um começava a expor a querela previamente combinada, o outro levantou o machado e golpeou Tarquínio violentamente na cabeça. Deixando a arma cravada na ferida, os dois assassinos correram para fora do palácio, sendo posteriormente capturados pelos lictores.
Enquanto os servos de Tarquínio seguravam o rei à beira da morte, iniciou-se grande tumulto. Multidão correu ao palácio para ver o que acontecera. Tanaquil ordenou imediatamente que o palácio fosse fechado e mandou expulsar as testemunhas. Chamou Servio a sós, mostrou-lhe o corpo sem vida do sogro e implorou que não deixasse impune a morte de Tarquínio nem permitisse que ela própria se tornasse objeto de zombaria dos inimigos.
Tanaquil então executou estratagema audacioso. Assomando-se a uma janela do palácio que dava para a rua, dirigiu-se à multidão reunida embaixo. Tranquilizou o povo dizendo que o rei havia sido ferido, mas já recuperara a consciência. A ferida, embora sangrasse muito, não fora profunda. Em breve poderiam vê-lo novamente. Enquanto isso, as disposições de Tarquínio eram que obedecessem a Servio Tullio, que administraria a justiça e cumpriria todas as funções régias durante a convalescença.
Durante vários dias, embora Tarquínio já estivesse morto, Tanaquil manteve a farsa. Servio aparecia publicamente exercendo o poder como se fosse mero substituto temporário, enquanto consolidava sua posição junto ao senado e ao exército. Apenas depois de alguns dias, quando já dispunha de apoio suficiente, a morte de Tarquínio foi anunciada oficialmente.
Servio Tullio tornou-se assim o primeiro rei de Roma a reinar sem o consentimento popular, apoiando-se apenas na autorização do senado. Com o tempo e o uso inteligente do poder, contudo, Servio consolidou sua posição. Para evitar que o mesmo ódio nutrido pelos filhos de Ancus contra Tarquínio se tomasse conta dos filhos de Tarquínio contra si, Servio casou suas duas filhas com os dois jovens príncipes reais, Arrunti e Lúcio Tarquínio. Através destes casamentos, vinculava a família de Tarquínio à sua própria, tornando seus interesses comuns e (teoricamente) neutralizando potenciais rivais ao trono.